LGPD – BENEFÍCIOS AO EMPREGADOR E DECISÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

Bom dia a todos,

Muitas vezes ouço que a LGPD não está sendo fiscalizada, pois as pessoas tendem a esperar grandes movimentações de fiscais às portas das empresas e seus data centers, o que exteriorizaria sua efetividade. Entretanto, as leis, tais como a LGPD, nem sempre servem tão somente para autuações e, nesse caso, a LGPD há muito vem demonstrando sua força. Basta olharmos para o quanto ela tem servido para fundamentar as mais variadas decisões judiciais e administrativas, evitando compartilhamento ou tratamento de dados de forma ilegal.

Gostaria de compartilhar uma dessas decisões com vocês, visto que se originou de uma relação da empresa com benefícios ao empregado, algo bastante comum no cotidiano da maioria. Antes, registro que os benefícios aos empregados são permitidos e muito bem-vindos, a questão colocada à apreciação judicial é mais pela forma como se daria, com compartilhamento excessivo e de forma obrigatória.

Recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), por exemplo, rejeitou um recurso que obrigaria uma associação a cumprir cláusula de convenção coletiva que determinava o compartilhamento obrigatório de dados pessoais dos empregados com uma administradora de cartões de descontos. Entre os dados exigidos estavam informações como nome completo, CPF, telefone, e-mail, data de nascimento e nome da mãe. O Tribunal entendeu que essa exigência violava diretamente a LGPD, sobretudo pela ausência do exercício do direito à escolha pelos colaboradores.

A sentença que foi mantida pelo TRT e agora pelo TST julgou improcedentes os pedidos do sindicato ao fundamento de que “as cláusulas (coletivas), de forma compulsória, estabelecem que os dados dos trabalhadores (nome completo, CPF, telefone, e-mail, data de nascimento e nome da mãe) deverão ser fornecidos pelo empregador à empresa gestora, circunstancia que, evidentemente, fere os ditames do art. 8º da Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais)”. Assinalou que “ainda que a cláusula 24 da CCT 2019/2020 seja anterior à LGPD, é certo que a pretensão de que ela seja cumprida pela ré é posterior à referida lei, visto que constante da presente demanda, logo, ilegal sua exigência”.

Essa decisão está totalmente alinhada com as orientações que sempre fornecemos sobre programas de benefícios, especialmente quanto ao seu caráter facultativo e à importância de evitar o compartilhamento excessivo ou inadequado de dados pessoais.

Aproveitando reforçamos, a importância do encaminhamento dos projetos, propostas ou contratos com empresas de benefícios para análise da equipe de Encarregado de Dados RMSA, evitando que dados sejam compartilhados de forma ilícita.

Atenciosamente,

Rafael Maciel Link da íntegra do acórdão: [Acórdão na íntegra]

Ementa do TST:

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DIREITO

CONSTITUCIONAL. DIREITO COLETIVO DO TRABALHO. AÇÃO DE CUMPRIMENTO. NORMA COLETIVA QUE PREVÊ O REPASSE DE DADOS PESSOAIS DOS EMPREGADOS À EMPRESA GESTORA DE CARTÃO DE DESCONTOS. IMPOSSIBILIDADE. PROTEÇÃO À PRIVACIDADE. LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS. DISTINÇÃO RELEVANTE A JUSTIFICAR A NÃO INCIDÊNCIA DA TESE JURÍDICA FIRMADA PELO STF NO JULGAMENTO DO TEMA 1046. PRIVACIDADE. DIREITO FUNDAMENTAL INDISPONÍVEL. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA.

1. O sindicato autor ajuizou a presente ação de cumprimento visando compelir a ré ao cumprimento de norma coletiva que estabeleceu o repasse de dados pessoais de seus empregados, bem como de valores referentes à cláusula que instituiu o benefício “bem estar social”.

2. O acórdão regional manteve a sentença que julgou improcedentes os pedidos ao fundamento de que “as cláusulas (coletivas), de forma compulsória, estabelecem que os dados dos trabalhadores (nome completo, CPF, telefone, e-mail, data de nascimento e nome da mãe) deverão ser fornecidos pelo empregador à empresa gestora, circunstancia que, evidentemente, fere os ditames do art. 8º da Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais)”. Assinalou que “ainda que a cláusula 24 da CCT 2019/2020 seja anterior à LGPD, é certo que a pretensão de que ela seja cumprida pela ré é posterior à referida lei, visto que constante da presente demanda, logo, ilegal sua exigência”.

3. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD (Lei nº13.709, de 14/08/2018) entrou em vigor, na sua parte geral, em 14/08/2020 (24 meses após a sua publicação conforme previsto no seu art. 65, II). Nos seus arts. 7º, I, e 8º, fixou-se que o tratamento de dados pessoais exigirá o consentimento do seu titular, no caso, dos empregados da ré.

4. Em tal contexto, o acórdão regional, ao afastar a incidência dacláusula coletiva que impunha ao empregador o repasse de dados pessoais de seus empregados a uma empresa gestora de cartão de descontos, não violou dispositivos de lei ou da Constituição Federal.

5. Registre-se que a hipótese não atrai a incidência do entendimento firmado pelo STF no julgamento do Tema 1046, haja vista que nesse precedente foi fixada tese quanto à validade da norma coletiva disciplinadora de direitos trabalhistas disponíveis, ao passo que, no presente feito, discutem-se direitos de outra natureza, relacionados à privacidade de dados pessoais dos empregados, os quais não podem ser objeto de disposição (repasse à empresa gestora de cartão de descontos) não autorizada pelo titular, quer por força do que dispõe a LGPD, quer considerando que a própria Constituição Federal assegura proteção específica à intimidade e à vida privada (art. 5º, X).

6. Frise-se que não cabe aqui conjecturar sobre outras formas de cumprimento da obrigação fixada na norma coletiva, porquanto o quadro fático assentado no acórdão regional não permite a análise de teses nesse sentido e é defeso ao TST incursionar no acervo fático-probatório dos autos. Incide, no aspecto, o óbice da Súmula nº 126 do TST. Agravo a que se nega provimento. (Recurso de Revista nº TST-Ag-AIRR – 1000888-31.2022.5.02.0088)

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